sexta-feira, 22 de março de 2013

Meu Pai


Hoje, meu pai faria 77 anos.

Morreu há 26, aos 51. Mais da metade da minha vida tenho passado sem ele.

Num mundo de desencontros foi assim que nossa relação ficou marcada.

Na primeira infância, embora construísse meus carrinhos de rolimã, minhas pipas e seus carretéis, motivo de inveja dos garotos do bairro, ele tinha aquele não-burro, sem explicação, por nada de mais. Não e pronto.

Pruma criança normal já seria difícil de entender. Pra mim, primogênito precoce, bom aluno e comportado, diante de um pedido simples, por que não??

Aprendi a me tornar independente e auto-suficiente.

Na adolescência, ele tendo feito terapia, deve ter percebido suas falhas e quis se aproximar mais. Mas, me perguntou o que eu achava dele como pai. Perigo pra quem tem Ascendente em Escorpião. Disse a verdade. Preferia que o tio Ricardo, pai do Carlinhos Saad, tivesse sido meu pai.

Acho que foi um soco oral na boca do estômago dele. Contudo, a relação melhorou dali pra frente.

Na separação dos meus pais, aos meus 20 anos, fui morar com ele. Por conveniência e praticidade. Trabalhávamos juntos.

Aos 25 me casei, em abril de 1987. Naquele outubro ele morreu. Câncer pra cacete.

Uma semana antes, num reencontro casual após muitos anos distante, foi justamente o Carlinhos Saad (que jamais soubera daquele diálogo da adolescência) quem me fez companhia, toda noite, no hospital Oswaldo Cruz. Depois, nunca mais nos encontramos. Coisas dessa vida.

Na madrugada em que morreu, só ele e eu.

Mas, pra mudar o rumo dessa prosa, antes que você chore achando que estou triste, foi após a morte dele que tivemos os melhores encontros. Pode acreditar...

Ele apareceu pra mim, em sonho, várias vezes, por vários motivos.

Sempre alegre e bem, como foi em vida, me ensinou como funcionava o fluxo de energia na aura e no corpo humano. Explicava-me entusiasmado, apontando para a imagem do Homem Vitruviano, de Da Vinci, enquanto eu, ainda empresário, pensava que a insanidade também atingia os espíritos...

Mais tarde, já terapeuta, descobri que o que ele me ensinara era a mais pura verdade. 

Noutra vez, sempre mediante estes sonhos-vivências, me perguntou se eu queria saber como se davam as conexões energéticas e espirituais entre as pessoas e seus grupos. Disse que sim. Ele pegou em minha mão e saímos voando. Tipo Peter Pan. Eu, que tenho medo de altura, não tive e pude observar fios de luz, de infinitas cores, ligando as casas de pessoas afins. Numa delas, dum casal onde eu fazia estudos esotéricos, saía uma usina de cores e formas luminosas, muito intensa. Foi lindo.

Depois, disfarçado de taxista, ele se revelou diante de uma missão espiritual, uma prova de fé que eu tive de cumprir, senão já estaria morto.

Mais adiante, quando a aflição me tomava, incerto do futuro, com medo de falhar como pai, ele surgiu, de terno e gravata, denotando poder e autoridade, com meus filhos no colo, sem falar, apenas sorrindo, transmitindo-me uma segurança inabalável, sem a qual talvez tivesse sucumbido.

Sempre assim, forte e sorridente.

E esta é a imagem que ficou do meu pai.

Com Ascendente em Aquário, era uma cara (muito) além do seu tempo, sem que ele percebesse que se tratava dum dom.

Ele achava que ele era assim, simplesmente.

Graças a ele, hoje, você compra todas as peças duma fechadura numa caixinha. Antes dele a venda era a granel.

Graças a ele, hoje, você compra um saco pronto de argamassa. Antes dele o cimento e a areia eram adquiridos separadamente e a mistura com água ficava por sua conta.

Foi dele a primeira terceirização na Indústria da Construção Civil.

Excelente homem de Organização e Métodos e ex-diretor de suprimentos da Construtora Hindi, então a maior do Brasil, fundou uma empresa chamada Comcentre - Compras Centralizadas de Materiais de Construção, substituindo o departamento de compras, geralmente ineficiente e corrupto, de muitas construtoras.

Nessa época, fim da década de setenta, morávamos numa casa de 1.200 m2, em terreno de 6.000, na Granja Vianna. Nós e os gringos. Fazia-se interurbano pra São Paulo.

Quando souberam da sua morte precoce, alguns amigos dele, empresários bem sucedidos que eu nem conhecia, me procuraram espontaneamente, emocionados, para dar depoimentos dele. O que mais ouvi foi que jamais encontraram alguém mais honesto no ramo. "Se ele quisesse, poderia ter ficado muito, muito rico", disse a maioria.

Quando ele morreu, no fim da década de oitenta, a minha condição financeira era melhor que a dele.

Amante diletante da psicanálise, decidiu estudar e se formou em psicologia, quatro anos tendo nove como a menor nota, dizia, orgulhoso. Isso foi pouco antes de morrer, quando planejava abrir um consultório.

Poderoso médium, sem saber, até a Síndrome do Pânico ele teve antes do tempo, no início da década de 70, quando essa denominação ainda não existia, tampouco o diagnóstico.

Para um Católico Apostólico Romano, ex-coroinha, cursilhista e ministro extraordinário da comunhão, a mediunidade talvez fosse algo distante e esquisito.

E assim, como um homem que teve a coragem de assumir seus erros e mudar, aberto ao novo e que soube respeitar a minha individualidade, ele foi o melhor pai que eu poderia ter.

Assim na terra, como no céu.

Obrigado, pai.

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