quarta-feira, 11 de outubro de 2017

As Armadilhas das Virtudes

Há mais de 23 anos, digo aos clientes para darem o devido valor e tomarem muito cuidado ao usar as maiores virtudes, pois, pela facilidade em exercê-las, pode-se fazê-lo com displicência, e, sem querer, cometer grandes erros.

Assim, ocasionalmente, vemos Roger Federer errando bolas fáceis.

Assim, ricos são perdulários, generosos são vampirizados, puros são enganados.

Duas das minhas maiores virtudes (sim, tenho várias) me cegaram pela facilidade em exercê-las e possibilitaram um erro grave. Comigo mesmo.

E, inconsciente ou desconcentrado da medida, o erro tornou-se muito doloroso. Visceral. E estava me consumindo, há 28 dias.

Autossuficiência e adaptabilidade.

Sempre enchi a boca pra falar que conquistei a autossuficiência emocional. E é verdade. A busca pela plenitude gera tal status. Natural e automaticamente. Como fazer uma tatuagem reforça a personalidade e aumenta a coragem.

Não foi uma conquista fácil. Assim como evoluir também não é. Pois, tenho Ascendente em Escorpião. Numa frase, me cobro à perfeição.

Além da autossuficiência emocional, me adapto bem a quaisquer ambientes e pessoas, desde que éticas e gentis. A ponto de me sentir um peixe fora d'água e ser o primeiro a mergulhar no aquário social.

O erro: nos últimos 22 anos, me deixei ser subvalorizado por pessoas que amei. E que eu achava que me amavam pra valer. Em corpo, mente e alma.

Menosprezado seria a palavra correta, mas serei gentil.

Sim, 22 anos. Tempo demais. Daí a dor lancinante do pecado oculto, ora explícita.

Deixei-me ser subvalorizado por ateus. Embora sempre tenha dito, publicamente, que estes "amam aos seus (d)eus, acima de tudo e todos", mais do que muitos cristãos fanáticos.

Deixei-me ser subvalorizado por "esquerdistas equivocados". Jargão meu. Aquela elite intelectual, de maioria endinheirada, hermética em seu clube de narcisistas vaidosos (com o perdão da redundância, apenas para ressaltar o pecado capital) da sua óbvia inteligência superior, cheia de preconceitos, arrogância discriminatória e presunção, ofuscados no paradoxo de serem o que abominam.

Deixei-me ser subvalorizado por pessoas que nunca se interessaram em, apenas, observar o mundo e a vida, sob a minha ótica, aproximando-se mais de mim quando eu as convidava, enquanto eu nadava de braçada no mundo e na vida delas, amorosamente. Por inteiro.

Deixei-me ser subvalorizado por pessoas que amei, com mais de uma das características acima.

Deixei-me ser subvalorizado por pessoas que, apesar de jamais terem me admoestado, eram venais em seus sentimentos pequenos de inveja e preconceito. Pessoas que, sem querer, eu gerava perturbação. Bem, estas eu jamais amei, então fodam-se todas.

E, finalmente, deixei-me ser subvalorizado por pessoas que amei, em silêncio.

Em 22 anos, reclamei muito pouco, cobrei quase nada.

Maldita autossuficiência distraída, maldita adaptabilidade desmedida.

Silêncio que gerou toda a dor que ora exponho.

Pois, assim como um tumor, extirpando-a devo me curar.

Acho que estou conseguindo. Não derramei sequer uma lágrima ao escrever este texto.

E subi meus preços, na Mercearia do Zé, tabela ao lado.

Menosprezo, nunca mais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário